A cada dia, a Comunidade LGBT conquista mais espaço e garante a flexibilização de seus direitos. Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu a guarda de uma criança a um casal homossexual. A decisão ratificou parecer do Ministério Público Federal (MPF), que reconheceu a necessidade de se observar e priorizar o melhor interesse da criança, uma vez que o menor já se encontrava sob responsabilidade do casal desde seu nascimento. Tudo isso diante da prévia autorização da mãe biológica.
No ano passado, a genitora havia deixado o bebê – com 17 dias de vida – em frente à casa de um familiar do casal, dentro de uma caixa de papelão. Teve início então o processo para obtenção da guarda da criança, inicialmente negada pela Terceira Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza, sob a alegação de que os cônjuges não figuravam no cadastro de adotantes. Foi determinada ainda a busca da criança para acolhimento em orfanato. Contudo, liminar favorável obtida pelo casal – após entrada de recurso junto ao Tribunal de Justiça do Ceará – deu sobrevida à história, que só veio a ser resolvida no STJ.
Presidente da Comissão de Direito Homoafetivo do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Patrícia Gorisch define a decisão do Tribunal como “acertada”. “Isso é o que o IBDFAM, já há alguns anos, tem lutado e falado a respeito do afeto como valor jurídico. A Terceira Turma do STJ reconheceu o valor do afeto. Importante dizer que os pais não furaram a fila. O processo de adoção segue uma série de regras, e uma delas é justamente a habilitação. Eles não estavam habilitados. Porém, a criança foi colocada numa caixa de papelão, na frente da casa deles. Eles contrataram um investigador particular, para justamente investigar quem eram os pais dessa criança, encontraram a mãe, e a genitora falou: ‘Eu quero que vocês cuidem da criança’. Então, teve o aval da mãe”, esclarece.
Já a deliberação da primeira instância foi “um absurdo”, conforme a especialista: “Por mera burocracia, preferem tirar a criança de um lar verdadeiro – de pessoas que querem ficar com ela – e colocá-la num orfanato. O orfanato, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é a última opção. É a última possibilidade de acolhimento da criança. A Lei da Adoção precisa ser revista. Existe uma burocracia absurda, pessoas estão na fila há anos – querem ser pais e mães de crianças que ainda estão abrigadas e que permanecem assim até se tornarem praticamente inadotáveis. Então, a decisão da primeira instância é de se lamentar”, opina.
Gorisch continua: “Há uma indicação da mãe, o que demonstra que o casal tinha condições. A gente tem que se pautar sempre no melhor interesse da criança e do adolescente. Interesse esse, que está lá nas convenções internacionais, no ECA, e na Constituição Federal – na questão da prioridade e no tratamento prioritário do menor. Já existia neste casal, com relação à criança, um sentimento de socioafetividade. Portanto, temos aí, recentemente, o reconhecimento não só da socioafetividade, como também da multiparentalidade”, comenta.
“Acolhimento certeiro”
Patrícia Gorisch conta que o afeto ganhou espaço e que o STJ acolheu o argumento de forma “certeira”, garantindo a essa criança o equilíbrio que ela já tem com esse casal: “Trata-se de uma segurança jurídica, até porque o pedido é muito específico – não foi um pedido de adoção, foi um pedido de guarda. Então, toda essa questão tem que ser ponderada. O juízo de primeira instância lamentavelmente errou ao dizer que a guarda não era possível porque eles não estavam na fila de adoção. Primeiramente, foi um erro técnico; em segundo lugar, houve erro jurídico, em que se colocou burocracia à frente dos interesses da criança”, finaliza.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM